Agenda lotada, não: criança tem é de brincar

    Dica de Leitura.

As crianças de hoje brincam cada vez menos. Cursos de línguas, música, esportes preenchem o tempo delas de forma avassaladora – e cada vez mais cedo. Com a agenda lotada, tendem a se entusiasmar menos pela aprendizagem. Correm o risco de virar adultos mais ansiosos e menos criativos, segundo Kathy Hirsh-Pasek, da Universidade Temple, na Flórida. Doutora em psicolingüística pela Universidade da Pensilvânia, e autora de livros de aconselhamento para pais, convoca os pais a deixar seus filhos mais livres.

Por que brincar é tão importante?

Brincar é aprender. Quando a criança brinca com blocos, está aprendendo sobre espaço, física e matemática. Quando ela conta ou representa suas histórias numa brincadeira, está construindo os fundamentos da literatura. Se brinca com outros, está aprendendo como negociar e como atuar em grupo para chegar a um objetivo comum. Desenvolver essas habilidades brincando é importante inclusive para que a criança absorva melhor os ensinamentos em sala de aula. Brincar representa para a primeira infância o que a gasolina é para um carro.

Por que as crianças de hoje brincam menos?

Num mundo globalizado, competitivo, os pais acreditam que seus filhos estarão um passo à frente se passarem mais tempo em atividades variadas do que brincando. Computação, culinária, ligas de futebol. Há uma estimativa de que crianças de 4 e 5 anos tinham 40% de seu tempo livre para brincadeiras em 1981 e hoje têm apenas 25%. Em palestras, percebo os pais atarantados, querendo preencher todo o tempo livre dos filhos. As crianças estão estressadas. Em 2006, a Associação Americana de Pediatria lançou uma nota sobre a falta de tempo livre das crianças e ressaltou a importância da brincadeira no aprendizado acadêmico e no desenvolvimento social e emocional. Vivemos a sociedade dos apressados, do culto do sucesso. E a infância sai perdendo.

Por que chegamos a esse ponto?

Até o século XIX, não se reconhecia a infância como um período distinto que antecedia a fase adulta. Houve a revolução industrial, a formação da família burguesa e, quase no século XX, surgiu a psicologia infantil. Nos anos 40, veio uma avalanche de revistas científicas voltadas ao estudo da criança. Em 1946, Benjamin Spock lançou o famoso livro Meu Filho, Meu Tesouro, que oferecia aos pais um plano de como criar seus filhos. Assim nasceu a indústria do aconselhamento.

Qual é o resultado desse processo?

O medo. Os pais temem que seus filhos fiquem aquém das outras crianças, então criam todo tipo de atividades intelectuais, cursos de arte, música, reforço da escola. Tudo para que eles estejam sempre à frente. Passou-se a acreditar que, se as crianças tiverem uma enxurrada de informações mais cedo, o cérebro delas vai se desenvolver mais e mais rápido. O símbolo disso são os flash cards (cartões com figuras e um texto de informações atrás. Os pais mostram a imagem a crianças pequenas, às vezes ainda bebês, e lêem exaustivamente o texto para que elas absorvam as informações). Eles representam um tipo de aprendizado baseado na memorização em vez da construção do significado. Além da ansiedade dos pais, há outros "concorrentes" da brincadeira livre e lúdica: a televisão e os videogames. Nos Estados Unidos, 25% das crianças com menos de 3 anos têm uma televisão no quarto. O "tempo de brincar" se transformou no "tempo de assistir".

Há crianças que têm vários interesses e querem ocupar o tempo com atividades. Os pais devem impedir?

Cada criança é diferente. Algumas têm mais energia, outras menos, mesmo estando na mesma família. É bom deixá-las escolher, mas com limite e observação. Porque é natural que elas queiram fazer o que seus amigos estão fazendo. Certifique-se de que entre as atividades elas tenham algum tempo livre. É preciso também interpretar bem cada atividade. Quando um menino de 3 anos tem aulas de futebol, ele não aprende técnicas, apenas corre atrás da bola para chutá-la. Isso é ótimo e muito divertido.

Qual é o objetivo do livro Einstein Teve Tempo para Brincar (Ed. Guarda-Chuva)?

Nas últimas quatro décadas, houve uma explosão de estudos científicos sobre bebês e crianças pequenas. É a chamada indústria da educação de bebês e crianças. Como alguém com uma experiência de 25 anos nessa área, a idéia, minha e de minhas colegas, co-autoras do livro, é compartilhar essas informações com os pais, mestres e formuladores das políticas de educação. Queremos mostrar como as crianças se desenvolvem. Como aprendem a falar, como constroem as frases, como desenvolvem o vocabulário e constroem o conhecimento. E, a partir daí, desfazer alguns equívocos. Livrá-los da tentação de querer produzir pequenos gênios, ajudá-los a descobrir habilidades ocultas, equipá-los para criar crianças saudáveis e inteligentes.

Em seu livro, a senhora dá grande ênfase ao desenvolvimento da inteligência emocional das crianças. Como os pais devem ajudar?

Brincando mais livremente, as crianças terão mais chance de desenvolver a inteligência emocional. Esta vem com a maturidade, não em brinquedos passivos, e muito menos na pressa das atividades diárias. Os pais devem buscá-la na forma como interagem com seus filhos, no respeito construído pelo que eles dizem e fazem.

A senhora é mãe de três filhos. Como abriu mão da tendência geral de dar às crianças uma agenda cheia e as deixou brincar mais?

Foi difícil. A forma como as coisas acontecem parece tomar conta da vida das mães. Eu me sentia constantemente num rodamoinho e era difícil dar um passo fora dele, sabendo que as outras pessoas vão se mover mais rápido que você e seus filhos. Mas, como na fábula da lebre e da tartaruga, eu acreditava que em algum momento a tartaruga iria chegar na frente. Eu sempre dei força para que brincassem. Deixei que parassem algumas atividades quando se diziam cansados. Valeu a pena ir contra a maré. Hoje, meus filhos são jovens adultos inteligentes e bem-sucedidos. Todos foram para a faculdade que escolheram. Meu terceiro filho, que ainda está na escola, provavelmente conseguirá o mesmo. Todos são espertos e criativos. O mais importante, porém, é que estão felizes.

Fonte: Revista Crescer


"Se escutarmos a criança que temos na alma, nossos olhos voltarão a brilhar: se não perdermos o contato com essa criança, não perdemos o contato com a vida".
(Paulo Coelho)


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